A casa onde morei já não existe mais. Pelo menos, não mais nesse plano que os olhos veem, apenas naquele lugar que o coração habita e as memórias queimam para fornecer energia às nossas vidas. Ela está no passado, o mesmo lugar onde habitam certas sensações que nos acompanham até a morte. Eu até posso vê-la nas fotos, registros de infância. Mas, nos meus sonhos, eu consigo sentir o frio do piso, o cheiro da madeira, o toque da porcelana. Na verdade, vejo que são muitas casas: aquela em que morei e as que visitava. Casa de avó é quase que uma morada permanente. Nos finais de semana, brincar no quintal que hoje entendi ser o maior lugar do mundo, onde tudo é possível, inclusive ser criança, era um privilégio. Não é em todo lugar e com todo mundo que se pode ser vulnerável. Com meus irmãos e primos, fui aquilo que nasci para ser.
Os banhos divertidos, as colheitas de frutas e as brincadeiras que só avó é capaz de criar – ou ter paciência de fazer. A vó Maria nos embalava na rede num tom “radical” e aventureiro; desejávamos tocar o teto como quem quer alcançar o céu. Ela nos dava farinha com água e, tocar naquela mistura, me dava a sensação de criar o que quisesse. Descascar o alho do almoço era para ajudar, mas parecia mais uma nova brincadeira.
Uma vez, ao assistir meu tio Fernando ralar um coco, entendi que comida é trabalho e trabalho é amor concretizado. O amor toma forma quando servido na mesa pela comida que tão deliciosamente ingerimos. Os jogos com vovó Eunice que, pacientemente, nos explicava o que cada carta valia no Buraco. Seu quarto parecia um mapa do tesouro, um lugar em que ela nos dava liberdade para explorar – e usar o que encontrássemos. Fotos provam os desfiles de moda com suas roupas três vezes maiores que nós e seus acessórios pendurados em nossos pequenos pescoços.
Casa que você pode desmontar e fazer dela o seu lugar é lar. As cabanas montadas com lençóis entre cadeiras e almofadas, os esconderijos pela casa e os sons ainda ecoam dentro de mim. É para eles que vou quando preciso do conforto que a vida presente não tem.
Os banhos de piscina, as subidas em cajueiros, os almoços de domingo, os programas de TV, nada disso teria valor se não fossem essas mulheres que, com todo seu amor e paciência, nos permitiam explorar a nós mesmos, descobrindo lugares internos por esses incríveis lares externos.
Casa de vó é mais do que lar: é lugar de se encontrar enquanto se perde na liberdade de explorar.
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